sábado, 10 de maio de 2014

INTERGALÁTICA


INTERGALÁTICA 
Lílian Maial 





   Ave Mulher, mãe de tantos sonhos! 
    Criatura imaculada,
mesmo em pecados medonhos, 
santa imagem do passar dos anos, 
sonsa amante dos lençóis riscados 
com os gozos dos seus desenganos. 




Ave Deusa, bem-aventurada estranha! 
Habitante dos recônditos de breu e desespero, 
entregue aos homens, 
à insensatez, à vergonha, 
ilesa em seus caprichos, 
limpa em seus desvelos. 




Ave Maria, da graça e da dor! 
Conduz teus martírios em rotas de luz, 
e pensa teus filhos, 
teus frutos de amor, 
além do vazio, sem sombras, sem cruz. 


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domingo, 27 de abril de 2014

TATOO

TATOO
®Lílian Maial





Nada mais importa,
senão o teu cheiro de macho
e o suor que nos pega e gruda e excita.
Não há lá fora,
só aqui, entre essas paredes latejantes,
por onde flui teu desejo,
onde se desmascara meu falso pejo,
e a outra toma forma devassa.
Não, não me desperta!
Deixa esse peso por sobre minhas carnes,
essa água benta a me escorrer em brasa
e a tua mão convenientemente esquecida no meu seio.
Permite que eu seja teu veludo,
desliza a boca nas vestes que são tuas.
Nada mais importa,
senão tua pele
a me tatuar as vontades
e as entranhas.


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​DE GAIOLAS & GRADES

DE GAIOLAS & GRADES
®Lílian Maial





Descobri que depois de tanto brigar com as gaiolas, não voei.
Asas pesadas, talvez dormentes da mesma posição, quebradas de grades.
Ou apenas acostumadas ao cativeiro. Não sei.
A liberdade parece mais distante com as portas abertas.
Destinos mais hostis.
Destino - palavra premeditada - só se escreve tarde demais.
Costumava achar engraçado e excitante esse voo cego,
não saber de nada até que foi.
Brincava de deixar para amanhã, quando tivesse tempo.
Agora entendo a alegria
e rio muito dos planos todos de todo mundo.

Gosto de ver o amarelo da flor da varanda.
Embora livre, vive apenas presa ao galho.
Ela me passa a ideia de destino, exposta e admirada,
finita e não menos cheirosa.
Cumpre sua função, eu cumpro a minha.

Aprendi que os ídolos fazem os tolos,
E que os tolos fazem ídolos por necessidade,
por medo da morte.
Não temo, não tramo e não faço tratos.
Tudo acaba, não tenho dúvida, e não seria diferente.
Como as flores, aceito a missão,


alada, finita e perfumada.

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sábado, 26 de abril de 2014

PERSONA

PERSONA
Lílian Maial





Não sei bem se felicidade é estar junto
ou antecipar a chegada,
se a partida dói mais que a previsão da ausência,
se eu te quero para sempre ou somente agora.
Odeio tantas coisas em ti,
que não sei como encontrar verdade em te amar.
Talvez eu ame a ira que me inspiras,
ou a poesia que tua espera me acalanta.
Mas esse teu silêncio, sem dúvida, me agride.
Então, como as conchas, produzo uma pérola,
no lugar em que deveria pulsar uma cicatriz,
e sigo o animus, sorrindo sempre,
porque, numa dessas, desprevenida e cética,
talvez ele me chegue.

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domingo, 6 de abril de 2014

HOMEM SEM ROSTO


HOMEM SEM ROSTO
Lílian Maial






Não sei teu rosto, então, te invento assim: 
És como o sol, um deus, tão importante! 
Mas vem a lua e banha o teu semblante, 
E esse importante deus inventa a mim. 


Eu me perfumo em versos de alecrim, 
E sinto um gosto ardente e atordoante. 
Vem do teu corpo o cheiro embriagante, 
Que saboreio em notas de jasmim. 


Teus braços fortes vêm ao meu redor, 
A tua boca eu quero e sei de cor, 
Mordendo as rimas, lábios de profeta! 


As coxas rijas são o meu sustento, 
O pão, a carne, o vinho, o meu ungüento. 
Não sei teu rosto, então, amo o poeta! 


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TRANSFUSÃO